DOR É UMA SÓ: É A DOR
Segundo Breton (1995), a dor, como as doenças, não são apenas manifestações universais de processos orgânicos, mas construções simbólicas que variam conforme os contextos socioculturais e a própria subjetividade do doente.
Pela vertente psicológica, a concepção de dor pode ser enfaticamente concebida como uma experiência perceptiva, sensível, cuja qualidade e intensidade são influenciadas pela singularidade, história de vida e significado atribuído pelo indivíduo à situação produtora de dor, das condições físicas e emocionais e pelo seu estado de espírito do momento.
A Psicologia não diferencia a dor, a não ser por sua causalidade; dor é dor. Parafraseando o poeta Fernando Pessoa, como negar que é dor “a dor que deveras sente?” pela perda, culpa, remorso, traição, injustiça, ingratidão?
Pensada ontologicamente, a dor pode ser definida como a conscientização da certeza da transitoriedade da existência, o medo da eminência de perda de controle sobre a vida, o sinal de fragilidade e impotência humana, diante da certeza da finitude. A dor coloca o homem em conflito com a possibilidade do não-ser.
A dor moral não se aloja em nenhum órgão, não deixa vestígios tissulares, não é palpável, não inflama, mas existe, é pungente, é sentida, quebranta a alma, arrasa, dificulta nossa faculdade de raciocinar sobre coisas tangíveis e intangíveis.
Assim posto, o estudo, avaliação e compreensão da dor e do sofrimento não são passíveis de serem estudados somente através de métodos positivistas, ainda que estes possam nos trazer alguma luz para o seu entendimento.
Aqui, questionamos até que ponto o paradigma newtoniano-cartesiano, sob a égide e pretensão de objetividade científica, onde a natureza funciona como um relógio, nossos corpos sentidos de maneira mecânica e nossa dor e sofrimento tratado orgânica e mecanicamente, não foi a base da desumanização da Ciência, da Tecnologia, da Saúde e do Ser Humano?
Todo pragmatismo, ambição desmedida, consumismo exagerado, arrogância do poder, a inversão dos valores humanos mais elevados não seria resultado desta visão de mundo, na qual o homem é visto como máquina, fragmentado e separado da natureza?
Não podemos desconsiderar que o método analítico cartesiano foi um recurso inestimável e fantástico da evolução da ciência e para o desenvolvimento do mundo moderno; porém, é igualmente inegável suas conseqüências para o descaso dos sentimentos mais íntimos do ser humano.
Embora as diferentes definições de dor nos remetam a traços comuns, como o caráter de subjetividade, a natureza sensível, a condição de desprazer, ainda assim deixam muito a desejar, constituindo-se ainda em uma grande incógnita.
A experiência dolorosa tem forte relação com o nível de dor e a atitude básica do ser humano perante a vida. Por exemplo, aspectos negativos decorrentes de uma falha pessoal, quando não esquecidos “pesam na alma”, constituindo-se num remanescente perturbador, enquanto não reparado ou aliviado através de algum tipo de punição. A pessoa que experimenta a dor como punição, mesmo que aceite procurar ajuda profissional, pode não aderir ao tratamento, recusando-se consciente ou inconscientemente a seguir a conduta médica estabelecida. O fato é que o ser humano participa de forma ativa ou passivamente do processo de adoecer.
O entendimento pelo profissional desta concepção moral da dor e do sofrimento e de seu lugar estruturante na experiência da dor e do sofrimento é decisivo e não deve ser ignorado. É importante estar alerta para os possíveis significados defensivos da dor e do sofrimento, de modo a se compreender as funções da dinâmica, origem e desenvolvimento da metapsicologia de seu simbolismo e sua representação no aparelho psíquico.
Enquanto a abordagem psicológica humanista constata o quanto o cuidado, o acolhimento, a aceitação, a palavra de conforto, a esperança, a fé, a atenção, o olhar terno, sincero, carinhoso e o toque atenuam o sofrimento, amenizam a dor, acalmam o espírito, a neurociência constata que os mecanismos de ação de tais intervenções são capazes de estimular no organismo humano produzir analgésicos endógenos, substâncias naturais, com grande poder anestésico.
É preciso reencontrar o elo perdido, juntar fragmentos, unir forças, rever valores, preservar nossa singularidade, olhar o ser humano em sua totalidade, apreender uma visão de mundo totalizador, tornar o ser humano mais consciente, mais sadio, mais livre, menos normótico.
Toda e qualquer discussão sobre o manejo da dor deve incluir aspectos de natureza psicológica, emocional, pensamentos e sentimentos presentes em todo processo. Para compreender sua experiência com a dor, é preciso compreender o que está acontecendo no corpo e na mente. Assim, à dor crônica é tanto física quanto emocional e, portanto, seu tratamento também deve ser físico e emocional. Os avanços nas pesquisas científicas vêm enfatizando a importância do trabalho em equipe multidisciplinar – psicólogos e médicos ( ortopedista, neurologista, reumatologista, gastroenterologista, dentista, etc) para a efetividade do sucesso no tratamento para a dor crônica.
No âmbito da psicologia, a psicoterapia comportamental-cognitiva adota estratégias terapêuticas baseando-se primeiramente em três aspectos: a compreensão e aceitação da posse da dor; a determinação exata de quais são os problemas resultantes da dor; e a reavaliação dos objetivos a serem alcançados à luz dessa informação. Permeando o processo psicoterapêutico, o paciente é estimulado a aprender ou a desenvolver habilidades para o manejo da dor tais como: respostas de relaxamento (para redução dos sintomas corporais de estresse); exercícios respiratórios (para evocar a consciência focalizada); técnicas cognitivas (objetiva explorar as relações entre pensamentos e sentimentos); técnicas comportamentais (visando desenvolver atitudes positivas e tranquilas em relação às dificuldades e problemas do cotidiano); entre outras.
Profa. Dra. Edna Paciência Vietta
Psicóloga Cognitivo-comportamental Ribeirão Preto
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